MINHAS MEMÓRIAS

 
 
Não faz muito tempo assim. É verdade que o Zico ainda jogava, o Flamengo ainda não tinha sido campeão do mundo, o Fernando Henrique ainda era um sociólogo de esquerda. E eu ainda sabia Eletrônica, estava fazendo o trabalho de final de curso na faculdade. Era o ano de 1979, primeiro semestre. Há pouco mais de vinte anos.

Era um trabalho interessante - alterar um terminal de vídeo alfanumérico para dotá-lo de capacidade gráfica. Era um terminal experimental, monocromático, construído por alunos no ano anterior, que podia mostrar 80 colunas x 25 linhas em modo texto e, modificado, passaria a poder mostrar gráficos em 640 x 200 pontos. Muito menos que a pior resolução de um PC de hoje, que tem 640 x 480 pontos em 16 cores.

Foram aí que surgiram as memórias. Precisávamos de ter uma memória capaz de armazenar os milhares de pontos da tela gráfica - nada menos que 640 x 200 = 128.000 bits de informação (aceso ou apagado, 1 ou 0), ou seja, 16 Kbytes (1 byte = 8 bits). Sim, precisávamos de 16 Kbytes de memória RAM para armazenar aquela preciosa tela gráfica - exatamente o que uma placa CGA faria num XT alguns anos depois (hoje as placas de vídeo estão na casa dos megabytes).

A PUC conseguiu importar umas memórias 1K x 4 bits. Duas delas eram necessárias para armazenar 1K byte. Uma placa com 32 desses chips daria ao nosso display os 16 Kbytes necessários para armazenar sua tela gráfica.

1K x 4 bits... Lembro-me que alguns mais antigos não escondiam seu espanto ao ver um simples chip de memória conseguindo armazenar 4.192 bits de informação... 16 Kbytes em uma simples placa de uns 20 x 25 cm, 32 chips.

1K x 4 bits... Um chip impressionante, a pouco mais de 20 anos para o final do século XX.

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Acho interessante quando faço as contas hoje, comparando aquela aranha (fios e mais fios entrelaçados) com a memória do meu PC. Eu tinha 16 KILO bytes num espaço de 20 x 25 = 500 cm2 de placa.

Há pouco tempo, tínhamos 16 MEGA bytes nos micros domésticos. Um salto de 1.000 vezes. Os micros de agora têm 64 MEGA ou 128 MEGA bytes, para começar (4 mil a 8 mil vezes mais). É verdade que há algumas diferenças tecnológicas, memórias estáticas x dinâmicas etc. Mas fico imaginando como seria um PC com 64 MB de RAM usando os fantásticos chips 1K x 4 do meu trabalho de fim de curso.

A placa de memória, por exemplo, deveria ter 500 cm2 x 4.000 = 2.000.000 cm2, ou a bagatela de 200 m2 (sim, duzentos metros quadrados) para acomodar os 64 MB de RAM. Do tamanho de uns dois bons apartamentos de 3 quartos, sala e dependências... O consumo de energia, não tenho idéia. Mas acho que a rede elétrica normal de um apartamento não suportaria. O próprio tamanho da placa, se construída, a impediria de funcionar. Só o deslocamento dos sinais elétricos pela imensidão da placa seria uma eternidade em termos eletrônicos. A diferença de tempo para a chegada de um bit de um chip que estivesse, digamos, próximo ao quarto de empregada, em relação a um chip do meio da sala, impediria qualquer idéia de sincronismo. Não funcionaria, a menos que o clock fosse muito baixo (na casa dos KHz, antes dos MHz).

Era completamente impensável, naquela época, um micro de 64 MB de memória RAM.

Eu confesso que não tenho a mínima idéia do que teremos em 2010 ou 2020...


Essa crônica foi escrita na época em que 64 MB ou 128 MB era muita memória para um PC. E perguntava sobre o que teríamos em 2010 ou 2020. Bom, em 2010, era comum um PC vir com 2 GB de memória, ou 4 GB. Ou seja, multiplicamos por 32... A memória de um micro de hoje precisaria de uma área de 6.400 m2 para abrigar os chips do meu trabalho de fim de curso. Em outras palavras, o gramado de um campo de futebol, todo tomado de chips um ao lado do outro. Seria ótimo para shows...
 

 


incluído em 04/09/2001
©2001 Mario Jorge Dourado - Direitos Reservados
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