VOYEURISMO ESPORTIVO

 
 
Eu não me considero exatamente um esportista - muito pelo contrário, acho que estou mais para sedentário mesmo - mas não dispenso acompanhar o esporte, seja pelos jornais, seja pela Internet, seja principalmente pela TV. Qualquer esporte que esteja passando na TV, dependendo do momento, acaba me despertando interesse. Já acompanhei jogos de boliche entre americanas gordas (não sei porque as americanas gordas e rosadas jogam melhor que as magras), sinuca, ping-pong - acho que tudo menos beisebol e futebol americano, os quais não consigo entender as regras, e golfe, que é muito chato de assistir. Até mesmo hóquei sobre o gelo eu já me peguei assistindo (e me empolgando), acho que nem tanto pelo jogo em si ou pelos times, os quais desconheço completamente, mas pelo "onde está a bola". Sim, porque achar a bola - se é que se pode chamar aquele disco de bola - é o mais difícil para a torcida de hóquei sobre o gelo, e pior ainda para quem está assistindo pela TV. Em geral a bola é uma densidade de probabilidade, a maior probabilidade de localizar a bola é procurar um grupo de jogadores batendo a esmo aqueles tacos entre si. Isso torna o hóquei sobre o gelo um jogo bastante interessante.

Quando chega a época de Jogos Panamericanos, ou ainda melhor, de Olimpíadas, esse meu lado esportivo-televisivo fica mais aceso ainda. Afinal, nesses eventos existem três, quatro, até cinco canais simultâneos transmitindo modalidades diferentes. Junta-se o meu voyeurismo esportivo com o prazer táctil-visual de ficar trocando de canais a cada instante, para mim isso é o máximo. Uma competição de arremesso de peso no primeiro canal. Um jogo de tênis no outro canal. Um jogo de basquete no terceiro. Um jogo de vôlei de praia no quarto. E tudo pode ser visto ao mesmo tempo. Lá vai a arremessadora da bielorrússia para seu primeiro arremesso. Vinte metros e trinta e três centímetros. Muda para o jogo de tênis, "break-point" para a dupla chilena. Muda para o jogo de basquete, dois lances livres para a equipe venezuelana. No vôlei de praia, as australianas estão ganhando por 15 a 12. Volto para o primeiro canal, a arremessadora ucraniana acaba de conseguir vinte metros e quarenta e dois centímetros. No tênis, os chilenos aproveitaram o "break-point" e estão em vantagem por 4 a 2. No basquete, o venezuelano errou o segundo lance-livre e a posse de bola está com a equipe canadense. No vôlei de praia, as suíças reagiram e viraram para 16 a 15. A arremessadora da bielorrússia agora conseguiu a marca de vinte metros e cinqüenta e um centímetros e voltou para o primeiro lugar. Enfim, uma festa - meio inútil, mas divertida.

Alguns desses esportes me fazem pensar: como será que começaram? O arremesso de peso me parece óbvio, deve ter milhares de anos. Os australopitecos e pitecantropus erectus já deviam de alguma forma competir nessa modalidade, vendo quem jogava pedras mais longe - ou, quem sabe, quem jogava a cabeça do inimigo mais longe. Não consigo ver uma competição como essa sem pensar em australopitecos jogando uma grande pedra à distância - talvez até porque algumas arremessadoras russas e búlgaras não pareçam exatamente muito civilizadas, exceto quando choram ao receber a medalha de ouro.

Outros esportes são nitidamente modernos, civilizados, como o vôlei e o basquete. Não eram esportes para australopitecos, nem mesmo para antigos gregos. O basquete, por exemplo, deve ter começado com um balde pendurado a uma certa altura, e as pessoas tentando acertar uma bola dentro do balde. Depois resolveram pendurar dois baldes a uma certa distância um do outro, fazendo com que cada time tivesse que disputar a bola com o outro para acertar no seu balde. Quando finalmente furaram o fundo do balde, o jogo ficou mais dinâmico, evitando a interrupção para subir na escada e pegar a bola sempre que saía uma cesta.

Mais modernos ainda são os esportes de praia. Somente nas Olimpíadas de Atlanta o vôlei de praia, inventado nas areias da Califórnia, se tornou um esporte olímpico. Os brasileiros lutam para tornar o futebol de praia, inventado nas areias cariocas, também um esporte olímpico, e isso pode ocorrer para as Olimpíadas de 2008 ou 2012. Já os portugueses estão tentando popularizar o basquete de praia, mas o quique da bola não tem agradado muito e o esporte tem poucos praticantes.

Aliás, em termos de esportes olímpicos com poucos praticantes, creio que o pior deles seja mesmo o badminton. Confesso que durante muitos anos ficava curioso para saber exatamente o que era "badminton" - isso foi na era pré-Google, claro - e não tinha nenhuma idéia do que fosse. Seria algum tipo de prova de canoagem? Ou uma espécie de hóquei, ou críquete? Nada disso. Nas Olimpíadas de Sidney, finalmente descobri, vendo por acaso uma partida desse esdrúxulo esporte: é um jogo de peteca com uma raquete parecida com a de tênis, com uma rede tipo rede de vôlei.

O pior é que até uma partida de badminton eu me pego assistindo. Definitivamente, sou um voyeur esportivo.
 

 


incluído em 26/08/2004
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