RUY PORTO

 
 
Ruy Porto foi um comentarista esportivo que atuou nas principais rádios cariocas e, durante algum tempo, na televisão. Ele morreu mais ou menos perto da Copa de 90, não me lembro se ainda chegou a comentá-la.

Eu me lembro do Ruy Porto com freqüência, pois ele é rua na Barra da Tijuca, passo por lá quase toda semana. Uma pequena rua, perto da praia e de Ayrton Senna, ilustre companhia. Mas acho que Ruy Porto não conhecia muito de automobilismo, seu negócio era futebol. Analisar e comentar de forma simples e educada a tática dos times.

O auge da carreira do Ruy Porto foi seu programa "Ataque e Defesa", na TV Tupi. Foi um programa revolucionário, um marco na TV brasileira em relação a esportes, por causa de sua objetividade e simplicidade. Era o final dos anos 60, e os programas esportivos dominicais eram as intermináveis mesas-redondas, chamadas de "resenhas esportivas". Duravam de duas a três horas, discussões constantes, convidados especiais, jogadores, treinadores.

"Ataque e Defesa" foi uma guinada de objetividade. Um programa de uns 20 ou 25 minutos de duração, com 3 blocos separados entre si por um intervalo de 30 segundos. Num dos blocos, as notícias principais, resultados da rodada, loteria esportiva. No outro bloco, os gols - muitos gols, gols de todo o Brasil, aproveitando a novidade do satélite e links de microondas da Embratel, e o fato da TV Tupi ser a primeira a ter uma rede com emissoras em várias capitais.

O auge do programa era a explicação da tática do jogo de domingo. Naquela época, o jogo de domingo era assunto pelo menos até a quarta-feira. E as análises de especialistas como João Saldanha, Ruy Porto e Luiz Mendes eram de conhecimento obrigatório. E o "Ataque e Defesa" inovou. Ao invés de apenas ouvir o Ruy Porto, podíamos agora ver o Ruy Porto explicando, gesticulando e mostrando a tática das equipes com os recursos audio-visuais disponíveis.

Esse era o problema: recursos audio-visuais disponíveis no final dos anos 60 na TV Tupi...

De início, uma mesa de botão. Era moda explicar tática com mesa de botão, alguns técnicos a usavam regularmente com seus jogadores - como o grande estrategista Tim. Colocaram a mesa de botão no cenário, os botões posicionados (um time claro e um time escuro, pois a TV era em preto e branco) e o Ruy Porto explicando a tática. Funcionava bem, mas havia o problema do Ruy Porto com a mesa. O Ruy Porto era muito alto, devia ter mais de 1,90m. E a mesa não podia ficar muito alta por causa do ângulo da câmera (as câmeras de TV em 1970 eram gigantescas). O Ruy Porto se inclinava, ficava numa posição incômoda para mover os botões, as pessoas não viam direito, enfim, não era o esquema ideal.

Um belo dia aposentaram a mesa de botão e colocaram um simples quadro-negro. Não existiam esses quadros mais modernos, era quadro-negro com giz mesmo. E o Ruy Porto, de terno, empunhando o giz que nem um professor, explicando a tática dos times. Lutando contra sua alergia - o Ruy Porto era meio alérgico, vivia com um lenço na mão. E o giz do quadro, quase matava o coitado. Uma vez - juro que é verdade - ele teve um acesso de tosse durante o programa e o programa acabou. Primeiro colocaram o comercial e deixaram o logotipo no ar, tentaram acalmar a tosse e ver se o Ruy Porto conseguia terminar o programa, mas não teve jeito. Um novo e definitivo acesso e não teve nem boa-noite: musiquinha de final de programa, letrinhas e começou o episódio de "Os Invasores", que vinha logo depois.

No outro domingo, a novidade: um quadro mágico - na realidade, um quadro com ímã com um campo de futebol desenhado, e 22 botões imantados representando os jogadores. Uma festa para Ruy Porto. As melhores explicações táticas de "Ataque e Defesa" vieram dessa época.

Mas o quadro mágico tinha um problema: era de parede, ficava lá o tempo todo, atrás do Ruy Porto. Tirava um pouco da graça, ficava ocupando o cenário, as pessoas acabavam focando a atenção no quadro. Sem contar que, como o Ruy Porto era grandalhão - e um pouco atrapalhado - de vez em quando esbarrava e desarrumava os jogadores ou, pior ainda, derrubava alguns. Uma vez - juro - ele deu um tranco no quadro, derrubou alguns botões e, mesmo com um intervalo maior que o normal, não acharam uns dois ou três do time perdedor. "Não há problema", disse o Ruy Porto com sua fleugma britânica. "Podemos explicar a tática, pois eles não foram importantes para o desenrolar da partida".

Como o quadro imantado atrapalhava o programa, a Tupi resolveu subir o quadro com umas cordas e um complexo sistema de roldanas, só descendo na hora do Ruy Porto explicar a tática. Era o Ruy Porto se dirigir para o local do quadro e algum contra-regra escondido descia magicamente o campo. Foi a melhor solução, mas provocou constrangimentos em algumas oportunidades. Numa época, as roldanas estavam precisando nitidamente de óleo. Roinc-roinc-roinc para descer o quadro, o Ruy Porto meio sem jeito. Uma vez, realmente prendeu. Várias tentativas, sobe e desce o quadro, mas não deu - não abaixava mais do que certa altura. Ele teve que explicar a tática, literalmente, por alto. Não podia mexer nos jogadores.

"Ataque e Defesa" foi um programa muito divertido. Acho que se tivéssemos acesso ao antigo arquivo de videotapes da TV Tupi (dizem que, na crise financeira que levou a Tupi à falência, sem dinheiro para comprar fitas virgens, o diretor mandou reutilizar as fitas de arquivo, apagando para sempre essas pérolas), iríamos nos divertir muito. E também aprender com esses heróis de uma TV que não era tão profissional, tão certinha, tão plástica como a de hoje.





Este texto foi incluido no "Almanaque dos Anos 70", de Ana Maria Bahiana, Ediouro - pág 185.

 

 


incluído em 04/09/2001
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